Nesse tempo favorável da Quaresma, quero convidá-los a pensarmos e refletirmos um pouco sobre a solidão ou a importância da mesma na vida de um frade franciscano. Talvez você esteja se perguntando: como solidão, se os freis não vivem sozinhos? Sim, não vivemos sozinhos. A fraternidade é espinha dorsal do nosso modo de vida. Porém, solidão não é o mesmo que solipsismo, individualismo ou ilhamento. Estar a sós é se voltar para si. Chance de dialogar, confrontar-se consigo mesmo. Na perspectiva da espiritualidade, é se recolher; nos termos evangélicos, é o movimento de entrar no quarto, fechar as portas e falar ao Pai que está no oculto da existência (cf. MT 6,6).
Se visitarmos os evangelhos, especificamente Lucas, identificaremos que os evangelistas fazem questão de pontuar que, muitas vezes, Jesus se retirava para orar. Assevera Lucas: “Ele, porém, se retirava para lugares desertos, onde se entregava à oração” (Lc 5,16). O verbo entregar, usado pelo evangelista, nos aponta que a solidão evangélica ou a solidão na compreensão da espiritualidade é um desapropriar-se, esvaziar-se, ao passo que é uma abertura , uma miragem para o querer do Pai. Nesse sentido, solidão não é carência, mas plenitude. Recolher-se para se abrir a algo Maior e mais Sublime.
Francisco era um homem da solidão. Desde o início da sua conversão, ele conheceu e valorizou a solidão. Os biógrafos narram que após o toque interior, constantemente, o Pobre de Assis se recolhia em uma cripta nas proximidades da cidade. Celano (2,6) afirma que ele orava ao Pai na solidão. Boaventura (1,5) diz que Francisco procurava lugares solitários, propícios às lágrimas. É dessa busca solitária que os tesouros divinos vão reluzindo na vida de Francisco. Conforme Boaventura (idem), foi em um momento desses de solidão que Cristo apareceu a Francisco em forma de Cruz. Desde então, a alma de Francisco se desfaleceu e a memória da Paixão ficou profundamente gravada até às medulas nas vísceras de seu coração. A solidão na vida de Francisco foi de suma importância para o descobrimento do projeto de Deus para sua vida: “Se queres vir após mim, renuncia a ti mesmo, carrega tua cruz e segue-me” (Mt 16,24).
De fato, a solidão na vida franciscana não é ausência de pessoas, mas um caminho de encontro com o real realíssimo que cada frei comporta dentro de si. É no oculto do ser de cada um que se esconde Aquele que é o mais íntimo de nós mesmos. Nessa perspectiva, solidão é encontro, deixar-se encontrar. Estar só com o Só nos priva de nos perdemos na multidão e não nos deixa cair no individualismo. Eis o tempo quaresmal como essa possibilidade de nos recolhermos para nos abrirmos ao querer e à vontade de Deus, a algo maior que os nossos desejos pequenos. Estimados leitores, não tenham medo da solidão evangélica conforme apresentamos. Pois, para nós homens e mulheres de fé, a solidão é inerente a nós. Foi na solidão da Cruz que nos veio a salvação. Ajude-nos o Espírito Santo.
Por Frei Beneval Soares Bomfim, OFMConv.